Pilar 2 no Brasil

Pilar 2 no Brasil

Em meio às recentes polêmicas internacionais relativas à implementação da Tributação Mínima Global encabeçada pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”), o chamado Pilar 2, ganhou novos episódios recentemente.

O Pilar 2

A ideia da tributação mínima global nasce da percepção de que o modelo tradicional de tributação não seria capaz de acompanhar a evolução da economia digital, permitindo que grandes grupos multinacionais deslocassem lucros para jurisdições de baixa ou nula tributação, reduzindo sua carga fiscal.

A preocupação com a problemática é evidenciada há tempos pela OCDE. Desde a publicação do relatório inicial do projeto BEPS, em 2013, a organização procurou ampliar e coordenar esforços contra a erosão de bases tributárias e a transferência de lucros, culminando, recentemente, na chamada solução de dois pilares.

O Pilar 1 visa à realocação de lucros de empresas digitais aos respectivos mercados consumidores, ao passo em que o Pilar 2 tem por objetivo a tributação mínima de 15% sobre os lucros globais auferidos por multinacionais.

O Pilar 2 se materializa por meio das Global Anti-Base Erosion Rules (“GloBE Rules”), um conjunto de normas aplicáveis a grupos econômicos com faturamento consolidado anual superior a 750 milhões de euros e baseado em três principais instrumentos:

(i) Income Inclusion Rule (“IIR”), que possibilita à jurisdição sede da controladora de um grupo econômico a exigência de imposto complementar caso as subsidiárias tenham sido tributadas a uma alíquota efetiva inferior a 15%;

(ii) Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (“QDMTT”), que faculta à jurisdição da companhia a cobrança da diferença necessária para atingir o patamar mínimo de 15%, garantindo que essa receita permaneça no país de origem; e

(iii) Undertaxed Payment Rule (“UTPR”), mecanismo residual que permite que jurisdições tributem lucros que não tenham sido adequadamente tributados em outra localidade.

Adesão Internacional

Após sua proposição pela OCDE, a tributação mínima global encontrou rápida e ampla aceitação, de modo que, em outubro de 2021, mais de 135 jurisdições assumiram compromisso formal com sua implementação.

Desde então, as regras do Pilar 2 vêm sendo progressivamente internalizadas, em diferentes estágios de maturação, por diversos países, a exemplo do Brasil que optou, em primeiro momento, por incorporar apenas o mecanismo do QDMTT – apesar da idealizada reformulação do TBU em mecanismo de IIR – e da União Europeia que determinou, por meio de diretiva vinculante de 2022, a obrigatoriedade de adoção integral das GloBE Rules por seus Estados-membros.

Nos Estados Unidos, o cenário é mais complexo, tendo em vista o regime próprio de tributação internacional referente ao Global Intangible Low-Taxed Income (“GILTI”). Em 2025, o governo norte-americano declarou que o acordo global não produziria efeitos sobre companhias sediadas nos EUA e anunciou proposta de ajuste na Seção 899 do regulamento do imposto de renda americano, de forma a adotar medidas de retaliação contra países que viessem a aplicar a tributação mínima sobre tais empresas, incluindo a imposição de tarifas adicionais e a instituição de dupla tributação. Diante do impasse trazido pela postura norte-americana - ao passo em que grandes multinacionais são sediadas sede no país e a eventual inaplicabilidade do Pilar 2 sobre as companhias nos Estados Unidos poderia esvaziar o propósito do projeto -, jurisdições que, historicamente, atuavam enquanto defensoras do Pilar 2, passaram a exprimir certa relutância em seu prosseguimento sem a adesão dos Estados Unidos.

Para mitigar o impasse, foi proposta solução “side-by-side” entre o G7 e Estados Unidos, permitindo a certa convivência e relativa compatibilidade entre Pilar 2 e GILTI. A solução alcançada afastaria as previsões norte-americanas de sanções tributárias unilaterais contra jurisdições que aplicassem UTPR ou mantivessem Digital Services Taxes contra companhias norte-americanas e asseguraria aos Estados Unidos relativa imunidade contra a aplicação plena do Pilar 2, especialmente UTPR e IIR.

O Brasil

Excetuando-se questões externas, no Brasil, a adesão ao Pilar 2 tem caráter estratégico.

O país aderiu, em 2021, à declaração conjunta que fixou os princípios da tributação mínima global. Essa adesão, contudo, não se traduziu em imediata implementação normativa, revelando cautela diante dos impactos sobre seu sistema tributário doméstico, especialmente dificuldades estruturais ao passo em que faz necessária a compatibilização da estrutura da tributação brasileira com o regime internacional, reavaliação da concessão de benefícios fiscais e existência de zonas econômicas beneficiadas como a Zona Franca de Manaus.

Apesar da necessidade de imediata remodelação da política de tributação internacional brasileira, a implementação das regras do Pilar 2, também tem papel político, reforçando a imagem do país como jurisdição com boas práticas tributárias, e potencializando seu requerimento para ingresso como país-membro da OCDE.

Neste contexto, no final de 2024, o Brasil promulgou a Lei n. 15.079/2024 (“L15079”), incorporando apenas o QDMTT, na figura de “Adicional de CSLL”. Assim, grupos multinacionais com atuação no Brasil passam a estar sujeitos à alíquota mínima efetiva de 15% a partir do ano-calendário 2025, sem impacto direto sobre seus braços no Exterior.

Desta forma, ainda que em meio às questões internacionais ainda pendentes de resolução e proposições do Congresso Nacional de revogação da L15079, fato é: o Brasil implementou o Pilar 2, a Lei permanece vigente e as companhias multinacionais deverão observar nosso QDMTT já na apuração de CSLL correspondente a este ano.

Neste cenário, importante destacar que, na última atualização do Central Record of Legislation with Transitional Qualified Status da OCDE, o Adicional de CSLL implementado pelo Brasil fora reconhecido, de fato, como um QDMTT.

Tal reconhecimento significa que as regras instituídas pelo Brasil para apuração e exigência do Adicional de CSLL seguem os padrões estabelecidos no Inclusive Framework e precisam ser computados como imposto qualificado nas demais jurisdições, isto é, países que já se utilizam das metodologias de IIR e UTPR deverão computar o imposto adicional pago no Brasil para verificação da tributação mínima de 15% global do grupo multinacional.

A identificação enquanto QDMTT assegura às companhias multinacionais operando no Brasil que, apesar da potencial tributação adicional a ser realizada via Pilar 2 no Brasil, tais montantes seriam globalmente reconhecidos e não implicariam em majoração da carga tributária global do grupo.

Houve, ainda, a concessão de tratamento ao Adicional de CSLL enquanto “QDMTT Safe Harbour”, demonstrando grande grau de confiabilidade nos métodos adotados pelo Brasil e na própria Receita Federal, ao passo em que, os cálculos realizados quanto à tributação adicional no Brasil serão automaticamente reconhecidos pelas demais jurisdições, sem risco de desconsideração destes e realização de cobrança de tributos adicionais no Exterior sobre o lucro das companhias brasileiras.

Ainda, na última sexta-feira (03.10.2025), visando ainda maior alinhamento ao Inclusive Framework e a efetiva adesão das companhias brasileiras ao Pilar 2, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil emitiu a Instrução Normativa n. 2.282/2025, promovendo alterações na Instrução Normativa n. 2.228/2024 (“IN2228”), que regulamenta a apuração e exigência do Adicional de CSLL no país.

Os ajustes visam incorporar as mais recentes diretivas da OCDE presentes no Administrative Guidance, publicado em janeiro deste ano, e promover ao esclarecimento de pontos controvertidos e dúvidas práticas que já vinham sendo arguidos pelas companhias.

Dentre os ajustes promovidos, encontram-se: (i) a definição do tratamento a ser conferido a anos fiscais não coincidentes entre entidades do mesmo grupo; (ii) padrão contábil a ser adotado por entidades não tributadas pelo lucro real; (iii) regras para a apuração de valores de ativos e passivos em combinação de negócios; e (iv) tratamento conferido ao IRRF incidente sobre os juros sobre o capital próprio – dispositivos considerados de caráter meramente interpretativo e, portanto, já produzindo efeitos desde 01.01.2025.

A nova redação da IN2228, também, traz (v) esclarecimentos quanto à definição de entidades fiscais transparentes ou hibridas; (vi) apuração dos tributos abrangidos diferidos e tratamento das diferenças temporárias identificadas; (vii) recuperação de passivos fiscais diferidos e não revertidos nos períodos subsequentes; e (viii) regras específicas para apuração do Adicional de CSLL de veículos de securitização. Tais mudanças entrarão em vigor a partir de 01.01.2026, sendo facultada a opção a ser exercida pelo contribuinte de sua aplicação já a partir de 01.01.2025.

E agora?

No plano prático das companhias multinacionais, a implementação do Pilar 2 se traduz em novas obrigações fiscais e desafios na apuração dos tributos devidos no ano-calendário.

Diferentemente da adoção, pelo Brasil, dos padrões OCDE de preços de transferência, ocorrida em 2023 – as quais já eram utilizadas desde a década de 1990 pelas demais jurisdições e, consequentemente, permitiram maior previsibilidade e confiança na instituição dos novos parâmetros – a implementação do Pilar 2 segue em ritmo relativamente semelhante em demais jurisdições, exigindo esforço global e unificado dos grupos multinacionais para implementação de sistemas de controle contábil e fiscal capazes de gerar informações padronizadas conforme os critérios das GloBE Rules.

Será necessário acompanhar não apenas os tributos sobre a renda pagos em cada jurisdição, mas também a forma de reconhecimento contábil de ativos e passivos, diferenças temporárias e ajustes decorrentes de regimes especiais.

Além disso, regimes de incentivos fiscais, comuns em países em desenvolvimento como o Brasil, passam a ser vistos sob nova ótica, especialmente considerando a recente alta litigiosidade sobre a matéria. Benefícios que reduzem a carga tributária das companhias para patamar inferior a 15% podem vir a perder efeitos econômicos para multinacionais, uma vez que a redução será neutralizada pelo top-up tax. O cenário implica na necessária reconfiguração da forma pela qual as jurisdições configuram seus benefícios: a lógica de redução da base de cálculo e de alíquotas incidentes já não mais representa efetivo ganho do contribuinte, não por outra razão que a L15079 já prevê a reformulação dos benefícios de SUDAM e SUDENE na forma de “crédito financeiro classificável”.

Vista a proximidade de encerramento do ano, companhias brasileiras devem ter em mente essa nova obrigação, já se preparando para a realização (de mais esta) apuração, considerando os diferentes critérios passíveis de adoção pela L15079, IN2.228 e potenciais alterações que ainda poderão advir, bem como, o tratamento tributário que deverá ser conferido aos tributos recolhidos pelas estruturas presentes nos Estados Unidos sob o GILTI.

A equipe de direito tributário do Waitman & Skolimovski Advogados permanece acompanhando as próximas movimentações internacionais relacionadas ao Pilar 2 e está à disposição para auxiliar as companhias multinacionais a estruturarem suas apurações.

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